Pesquisadores brasileiros apresentaram o resultado de um dos maiores estudos feitos no país sobre os efeitos da Covid no cérebro.
O empresário Paulo Cesar Ceolato teve Covid há mais de um ano e meio e até hoje tem problemas de memória e concentração.
“Eu estou fazendo um trabalho que tem que ir de ‘x’ a ‘y’ naquele trabalho. Se você chegar para mim e dar bom dia, eu já não sei mais o que eu estou fazendo”, conta.
Para compreender o mecanismo de infecção da Covid no cérebro, o Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp coordenou o maior estudo já feito no Brasil, reunindo 80 pesquisadores.
No HC da Unicamp, foram analisadas 81 ressonâncias de pacientes que apresentaram sintomas leves da doença dois meses antes do exame. O resultado mostrou que o grupo tinha algo em comum: uma atrofia na região frontal do cérebro, responsável pelo raciocínio e atenção.
“A gente não esperava ver atrofia num grupo de pacientes que não foi internado e num período tão curto. Para gente foi surpresa”, diz Clarissa Yasuda, professora de Neurologia da Faculdade de Medicina da Unicamp.
Os pacientes pesquisados tinham queixas de sequelas.
“Predominam queixa de fadiga, de sonolência, dor de cabeça, tem sintoma de ansiedade, depressão e disfunção cognitiva. Tem gente que tem queixa de memória, tem que fala de problema de atenção, tem gente que tem dificuldade de flexibilidade mental, diminui a velocidade de processamento cerebral, tem gente que tem dificuldade de linguagem, de encontrar as palavras”, afirma.
O trabalho também investigou o tecido cerebral de pessoas que morreram de Covid e fez análises de material produzido com células-tronco. O cruzamento de informações levou os cientistas a encontrar o alvo preferido da Covid no cérebro, os astrócitos, células estreladas que dão sustentação aos neurônios.
Para efeito de comparação, os astrócitos funcionam como bombas de combustível dos neurônios, as células mais importantes do cérebro que trabalham o tempo todo, inclusive quando estamos dormindo, por isso precisam de abastecimento constante. Os pesquisadores da Unicamp identificaram que o vírus da Covid interfere diretamente nessa fonte de alimentação dos neurônios, prejudicando o funcionamento deles e ou mesmo matando as células.
“Quando esses astrócitos infectados são postos em contato com neurônios, não infectados, esses neurônios morrem mais, 60% mais até do que quando os próprios neurônios são infectados. De alguma forma, a infecção dos astrócitos pelo novo coronavírus, pelo Sars-Cov-2, produz um ambiente tóxico para os neurônios que pode levar à sua morte”, explica Daniel Martins de Souza, coodenador do Laboratório de Neuroproteômica da Unicamp
A pesquisa da Unicamp em parceria com a USP já foi submetida a uma publicação cientifica internacional e serviu de consulta para outros trabalhos no exterior.
Com a descoberta de onde ocorre a infecção, os cientistas agora focam no mecanismo de ação do vírus para desenvolver estratégias de combate às sequelas.
“Nós temos observado que muitas pessoas têm permanecido com sintomas neurológicos por mais tempo do que a Covid está no próprio organismo. Então compreender como é a dinâmica do vírus no cérebro pode ajudar eventualmente a prevenir sequelas ou até ajudar no tratamento de pessoas que tenham sintomas neurológicos advindos de uma infecção desse tipo”, afirma Daniel Martins.
Professora da Unicamp, Clarissa Yasuda é uma das pesquisadoras participantes do estudo sobre Covid-19 no cérebro — Foto: Reprodução/EPTV
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