"O segundo é a própria competição. Novos competidores às vezes chegam com políticas de preços mais agressivas", completa.
Os efeitos do impacto da tecnologia da inflação devem começar a ficar mais evidentes nas próximas divulgações do IPCA. Com as mudanças de comportamento do consumidor apontadas na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) alterou a lista de itens que serão apurados para calcular a inflação.
Saem da conta itens que caíram em desuso e cujo peso ficou menor no orçamento das famílias, como aparelhos de DVD, máquinas fotográficas, microondas e liquidificadores; e entram serviços e produtos que ganharam importância na última década, como transporte por aplicativos e serviços de streaming, por exemplo.
"O que os modelos mostram é que a inflação de serviços deve seguir muito baixa em 2020, também em 3,5%. O PIB está acelerando, tem alguma retomada da atividade, mas a inflação segue num ritmo comportado e, talvez, isso não seja só pelo nível do emprego", diz Marcela.
Levantamento realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) revela bem como a tecnologia mudou o hábito de consumo do brasileiro.
Em 2018, de acordo com o Cetic.br, 70% dos brasileiros (126,9 milhões de pessoas) utilizavam a internet. Desses, 60% realizaram algum tipo de pesquisa de preço, 34% compraram ou encomendaram produtos ou serviços, e 19% divulgaram ou venderam produtos ou serviços.
O estudo também mostrou que 32% dos usuários de internet pediram táxis ou motoristas por aplicativos. Além dos aplicativos de transporte, outros serviços foram realizados online:
- 28% pagaram por serviços de filme ou série pela internet;
- 12% fizeram pedidos refeições em sites ou aplicativos;
- 8% pagaram por serviços de música pela internet
- 5% fizeram reservas quartos ou acomodações pela internet em site e aplicativos
Depois que a estação Moema, do Metrô, foi inaugurada, o designer Celso Soares, de 30 anos, decidiu vender o carro em 2018. Para se locomover em São Paulo, começou a utilizar um aplicativo que mostra as rotas de transporte público.
"Sou de Brasília e lá a maioria das pessoas utiliza carro. Antes, até a inauguração da estação do Metrô do lado da minha casa, não tinha o costume de usar transporte público", afirma.
Celso ainda não fez as contas de quanto economizou com a troca do carro pelo transporte público, mas lembra que passou a não ter gastos com estacionamento e gasolina.
Inflação de serviços, velho problema
A mudança tecnológica ajuda a explicar apenas uma parte da fraqueza da inflação de serviços no IPCA. Os analistas também ponderam que a lenta retomada da atividade econômica tem sido responsável pelo comportamento desse grupo de preços.
"A inflação de serviços fica mais baixa porque o produto [economia] não está crescendo perto de seu potencial", diz Júlia Passabom, do Itaú.
A inflação de serviços costuma responder ao desempenho da economia. Se a atividade acelera e a taxa de desemprego cai, os preços de serviços costumam subir. O oposto também ocorre: se há aumento do desemprego, os custos dos serviços tendem a desacelerar, já que há menos gente disposta a consumir. No trimestre encerrado em fevereiro, o desemprego seguia elevado.
Essa dinâmica se dá porque, quando a economia está aquecida, há mais margem para o repasse de preços. "Não vemos pressão na inflação vindo da atividade econômica", afirma Lais Carvalho, economista do banco Santander. "A recuperação da economia já era gradual, e ela tende a ser ainda mais", afirmou.
Por anos, a economia brasileira lidou com uma inflação de serviços bastante elevada. Em 2011, por exemplo, subiu 9,6%. Naquele momento, a economia brasileira ainda mantinha um certo ritmo de crescimento e o país tinha pleno emprego. Ao longo dos últimos anos, a inflação de serviços só cedeu em 2017, quando o encerrou o ano em 4,5%.
"A redução da inflação dos últimos anos não teria acontecido se a inflação de serviços não tivesse caído também", afirma Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Em 2019, o IPCA subiu 4,31% e ficou acima do centro da meta, influenciado pelo alta do preço das carnes. Neste ano, a projeção do relatório do Focus, do Banco Central, indica que a inflação deve terminar o ano em 3,25%.