Professor do Colégio Montessori faz análise da redação do Enem 2018

Nos últimos anos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem proposto dissertações acerca de temas voltados a perspectivas bem definidas, a exemplo dos anos de 2016 e 2017, quando as propostas foram, respectivamente, “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, “Caminhos para combater o racismo no Brasil” (lembrando que houve duas aplicações em 2016) e “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. Seguindo essa lógica, na última edição, diversos candidatos, presumivelmente, prepararam-se para uma redação com recortes (palavras-chave) que delimitassem a proposta. No entanto, o que se viu foi um tema que fugiu a essa objetividade, possibilitando distintas problematizações.

Em 2018, os candidatos do Enem tiveram de escrever sobre "Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet". Para tanto, os recortes desse tema foram: manipulação, comportamento, usuário e internet. A proposta não gerou tanta surpresa quanto aos assuntos abordados, uma vez que estes eram – e ainda são – atuais (principalmente devido ao momento político brasileiro) e que, de certo, foram analisados por boa parte dos candidatos do exame. Porém, por ser uma proposta não tão específica, provavelmente, pegou muitos candidatos que não conseguiram realizar uma interpretação concreta do que, de fato, estava sendo cobrado. Nesse sentido, vale ressaltar a importância de o candidato conseguir diferenciar “assunto” de “tema”, já que uma análise equivocada da proposta pode resultar em uma nota muito baixa, quando há um tangenciamento, ou em nota zero, quando há fuga total ao tema.

Nesse contexto, como não podemos deixar passar, a coletânea (conjunto de textos de apoio) se fez imprescindível para que os candidatos pudessem obter uma visão mais clara da proposta. O primeiro texto tinha como enfoque a problemática acerca da ilusão de liberdade promovida pelos algoritmos. O segundo propôs uma reflexão relacionada, mais uma vez, aos algoritmos, expondo uma preocupação quanto à alienação do usuário. O terceiro trouxe dados referentes ao perfil dos usuários de internet no Brasil, além das principais finalidades do uso dessa ferramenta. Por fim, ao tratar do comportamento de quem utiliza a internet, o último texto abordou o seguinte questionamento: análise mais profunda e concreta dos dados propostos pelas redes ou conformidade com as informações?

Com base na análise acima, fica claro que um dos principais pontos da proposta são os algoritmos. Sobre eles, de acordo com professor de Informática do Colégio Montessori, Wagner Johnatan: “O processo que executa os algoritmos é a mineração de dados. Eles buscam padrões para determinar tendências de comportamento através do cruzamento de dados. Esse processo se divide em três partes que atuam juntas: estatística (o estudo numérico das relações entre dados); inteligência artificial (inteligência exibida por softwares e/ou máquinas, que se assemelha à humana); e machine learning (algoritmos que podem aprender com dados para realizar previsões).”

Por outro lado, de maneira equivocada, inúmeros candidatos enfatizaram a problemática das fake news. Entretanto, a partir da análise da coletânea, percebe-se que falar sobre notícias falsas não era um dos pontos centrais do tema. Não obstante, não seria totalmente errôneo abordar essa perspectiva. Para esclarecer essa questão, torna-se necessário fazermos uma análise um pouco mais profunda. Ainda segundo o professor Wagner, “a manipulação de dados se divide em duas partes:

* Informação direcionada – fato verídico que é mostrado especificamente ao indivíduo que será convencido por ele, por ter alguma semelhança ou divergência com sua crença, religião ou visão de mundo;

* Fake news – informação falsa que cria danos à imagem instantaneamente, que se espalha de maneira rápida e que, para ser retificada, exige mais empenho.

Além disso, o Brasil não possui legislação específica. Então, a punição depende de muita análise. Já nos Estados Unidos, por exemplo, a manipulação de dados pela informação direcionada é maior que as fake news porque existe legislação específica no combate a estas.”

Diante de todas essas informações e dúvidas, deparamo-nos com o seguinte questionamento: afinal, sobre o que o candidato poderia falar? Como dito inicialmente, os recortes do tema possibilitavam distintas linhas de discussão. No entanto, o candidato não deveria fugir a esses comandos. Logo, como perspectivas de desenvolvimento do tema, havia problemáticas acerca da privacidade do usuário, da falta de conhecimento de grande parte da população referente ao funcionamento dos algoritmos e suas consequências, das “bolhas de assunto” geradas por esses algoritmos, especialmente nas redes sociais, além de outras possibilidades.

Dessarte, fica claro que aqueles que se preparam para o Enem 2019 devem estar bastante atentos ao que pode ser cobrado na próxima redação e às formas como as propostas serão produzidas. O Exame Nacional do Ensino Médio merece uma atenção ímpar quando o assunto é “escrever”, uma vez que produzir um texto dissertativo-argumentativo bem organizado, claro e rico em conteúdo é uma obrigatoriedade àqueles que almejam um bom resultado no exame.

Deniel Martins Batista. Graduado em Letras pela Faculdade Sete de Setembro – FASETE; pós-graduando em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura, e Docência no Ensino Superior pela UNIASSELVI. Professor de Gramática e Redação do Colégio Montessori.